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O texto abaixo é uma transcrição de artigo publicado no jornal O Globo, de 3 de maio de 2020. 

Para especialistas, aumento de casos da Covid-19 em áreas pobres é a dimensão mais cruel da pandemia

Desigualdade de renda e pouco acesso ao trabalho formal, aliados a poucas medidas de proteção social, podem ampliar o desastre humano do coronavírus no Brasil

Dimitrius Dantas, Elisa Martins e Evelin Azevedo

RIO E SÃO PAULO — Para acadêmicos, a intensa desigualdade social no Brasil tornou a migração do vírus para a periferia e o interior uma característica ainda mais preocupante do que em países desenvolvidos. A maneira como a epidemia se espalha pela população mais carente é a dimensão mais cruel da tragédia. Não tem nada de democrático, o vírus não é democrático, alerta Heloisa Starling, professora de História na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Desinfecção na favela do Vidigal, Rio de Janeiro. Foto: Carl de Souza, AFP

Ligia Bahia, especialista em saúde pública da UFRJ e colunista do GLOBO, aponta que, embora todos corram o mesmo risco de contrair a doença, a diferença se dá no acesso ao diagnóstico e ao tratamento. Os mais ricos residem perto dos centros médicos de excelência, chegam de de carro. O périplo dos mais pobres começa pelas dificuldades de transporte. Ser atendido em um hospital bem equipado e com profissionais bem formados faz toda a diferença.

O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, aponta que, no Brasil, a classe E (mais baixa) tem acesso à saúde bem menor do que as classes A e B. Por outro lado, os pobres ficam mais doentes e precisam de mais hospitalização. Há uma diferença em relação à Europa porque, no Brasil, há mais jovens morrendo. Isso indica que as desigualdades estruturais de renda e raça estão influenciando o padrão da mortalidade — compara Bahia. Nos EUA, o número de mortes de latinos e negros também foi superior ao de brancos.

 

A desigualdade de renda no Brasil está diretamente associada à falta de acesso ao trabalho formal, lembra Neri. E, nesta pandemia especificamente, ressalta, a informalidade é um fator que aumenta o risco de infecção. Esses trabalhadores normalmente atuam tendo contato com pessoas. É uma escolha de Sofia: ou se sujeitam mais a se contaminar ou perdem a renda, diz o economista, destacando outro fator negativo, a moradia precária, que dificulta ainda mais o isolamento social e a higiene, cruciais na contenção da disseminação do vírus. O Brasil se tornou um grande laboratório, no sentido ruim da palavra, para se entender o impacto da doença na vida dos mais pobres.

 

Para Marcelo Medeiros, professor visitante da Universidade de Princeton, nos EUA, investir mais na proteção social seria, inclusive, uma maneira de se garantir o cumprimento do isolamento. O auxílio emergencial do governo federal, na visão do economista, poderia ter sido aplicado com mais celeridade, já que o Brasil teve algumas semanas para planejar a ação: a proteção social é mais do que uma questão de justiça, ela ajuda a garantir o bem-estar social coletivo.

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